O poeta é um fingidor. Chega a fingir que é dor a dor que deveras sente. Versos de Fernando Pessoa que escorregam como água de bica na boca da gente. A suavidade das palavras, o sentido estonteante, o brilho de uma flor diante de seu amor. Não pense que Pessoa apenas colocou no papel o que sua mente projetou com brilhantismo. Esse é daqueles poemas que nascem com destino à eternidade porque carregam o tempo e os vendavais da história que vence a realidade.
Quem escreve é um fingidor, fingidora. Poeta, por certo, drummondiano, gauche na vida. Penso na riqueza nas falas explícitas e implícitas que os intérpretes, os críticos, os psicanalíticos, os céticos encontram quando há tristeza no olhar que se encanta com o que vê, quando lê. Penso no fechar das pálpebras dos que não buscam outros ruídos senão os que seus mitos produzem ao percorrerem com a luz de sua mente as letras atadas no papel. Porque só enxergamos de verdade o que está escrito se o fazemos como quem se cega ao resto.
Se uma pessoa vem me dizer que outra pessoa ou ela própria entendeu do que eu disse com minhas palavras que eu estou apaixonado, nada tenho a fazer senão rir. É a mais pura verdade o que ele me conta, embora eu não passe de um fingidor fingindo o que está dito. E é mentira, porque o que nasce inclusive do meu sentimento é arte, arte de poeta, e arte peralta criada para me encantar como nos contos de fadas e nos cantos de sereia que atraem com máxima vida as mortais. De armadilhas também sou arteiro. Se uma pessoa acredita que estou sofrendo porque o doce sorriso da minha metáfora estava amargo, é porque quer, e eu quis.
Amar carregando nas tintas não quer dizer amar mergulhando o coração no sangue dos tinteiros. Odiar subentendido tem muito de descarregar a cartucheira para não ter que deixá-la carregada sob o descuido dos dias. Eu digo tudo o que sinto, mas nem tudo que sinto eu sinto por razões que me atribuem. Eu tenho mais emoções. Eu engulo sapos, mas não sou de me digerir às pressas. Finjo nas horas, exagero na agonia, imponho figuras de linguagem a cada instante que vivo e morro de uma vez, uma vez ou outra. Não me revelo nem no espelho.
Esse fingir do fingidor, na moral da história, é nada menos que a incompreensão do que sou, que se espalha no que existo e sai pela tecla do computador. Como sei que ninguém sabe na essência quem é, muito menos nas próprias palavras, ou quem seria não fosse a qualidade do que consegue (ousa?) escrever, eu vou anotando, vou me deixando ler e vou seguindo em frente com o que pensam que compreenderam. Por que impedir a ilusão alheia? Nem tenho ilusão de que saberia onde colocar ponto final nessa, ora essa, parábola. Seja feita a sua vontade.