Procura-se um propósito. Não qualquer propósito. Um que faça mais do que ser um ponto no horizonte. Que carregue o peito com muito combustível, suficiente pra preencher o vazio no primeiro movimento da bomba e no segundo, quando ainda cabem mais uns 10 litros. Um propósito para longa distância: a vida toda. Até ali vou sozinho. Estou indo. Me empurrando. Ando. Ando mais sentindo do que caminhando.
Nos jardins à minha volta há estâncias maravilhosas. Eu poderia parar um instante, me servir dos seus instantes, seguir em frente. Não tenho ânimo. Falta me razão para tanto. Onde colocar meu cansaço para poder curtir os instantes? Quando adormecer sem perder a realidade de vista e me esquecer completamente? Acordo sempre sem dormir. Um acordar de sonolência indômita, febril, indefinida. Se eu dormir, perco este aperto nos olhos. E não é isto que me mantém alerta, hoje?
Nasci com essa inconstância no espírito. Nasci para viver de utopias. E as tive, por certo, na pureza de um coração sonhador. Um estado de alma livre, imperador, e ao mesmo tempo irrompedor. Uma saga de amor apesar. Apesar de tudo. Apesar de mim. Porque nunca esperei da vida senão sua inteira e irrestrita manifestação. Especialmente o desespero. E era isto, este pormenor da existência, tudo que me bastava: não perder um risco de tudo que é escrito e desenhado.
Quando se perde o propósito, posso dizer, nada se coaduna. Nada. E há um pender nos passos. Como ando no fio acima do abismo e este é meu melhor caminho e minha maior alegria, o esforço é grande. Não será motivo de queda, mas é de distração divina. Temo que Deus se descuide e me deixe caminhar segurando as pontas sozinho. Isto é pior. A ausência de todas as coisas contra a minha solidão necessária. A falta de um propósito para manter a fé em equilíbrio constante.
Um propósito de cada vez, desta vez, se for este o caso. Não quero perder o meu abismo abissal. Ter que me sustentar, em vez de viver como sou e só. Não temo o fim. Tenho saudade do começo.
*Texto publicado pela Tribuna do Planalto