Nos ombros do mundo

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Meus ombros suportam o mundo, mas não quero carregá-lo mais. Quero sol e o campo vasto do cerrado. Tenho suor acumulado dos dias de cansaço longe das matas. Tenho outros cansaços e tenho urgência em me libertar. A cidade machuca. A cidade toma as rédeas e toma o corpo. A cidade é a alma ultrapassada pela nossa ansiedade. A sobrevivência, essa assassina, cai sobre a minha cabeça com o seu silêncio aterrador.

Já se sentou no chão das matas e fechou os olhos? Esquecemos às vezes que não temos fronteiras, que não fomos feitos para muros, que o nosso limite é uma cerca que não impede o vento. Esquecemos de nós mesmos para prestar atenção aos outros. Nos esquecemos ao largo. Os riachos espalhados e céleres nos tiram a sede, não o gosto de viver. Mas a modernidade está insossa. O presente sufoca. Desde sempre, há muitas obviedades acumuladas no peito, como se o coração fosse a curva do Rio dos Bois e os tempos fossem sem parar de chuva brava. Não. Os tempos não mudam, eles nos libertam desde o primeiro choro. Os tempos não nos calam, eles nos ecoam. Os tempos existem; a gente, por pouco. Os tempos passam, e se não subimos em seu dorso é porque não somos o tempo todo.

Os inimigos pesam. Os amigos pesam. Os acontecimentos… como pesam. Meus pés doem. O passarinho que pousa em minhas pálpebras não me pisoteia menos que as pessoas em seus gestos de desenfreada debandada em busca de salvação. Todos querem um porto. Não sou nada disso, sou o desejo simples de um dia no alpendre, sentado na cadeira de cordas, dando cria aos miolos moles das conversas inúteis.

Não me peça exemplos de como meus ombros suportam o mundo, apenas saiba definitivamente: eu não vou mais carregar porcaria nenhuma, nem poesia ruim. Tenho meus utensílios de vivência, minha cruzada de resistência, meus dependentes inatos, minhas ordens de despejo e meus atos de fé acertados em contrato com o dono da minha sala e quarto, o proprietário dos interruptores que me servem, as academias e quilos necessários. Meus versos leves carregam amores, não o corpo inerte dos dias ásperos e suas noites insones.

Tenho risos e cantos e bondades apesar de todos, mas o mundo, o mundo inteiro não quero mais pra mim. Meu inchaço está na alma e é o veredito das culpas alheias e minhas desditas. As minhas, sustento. A inaptidão repentina que me envolve, porém, para a condescendência e o empréstimo de bondades dizem mais por mim. Ninguém carrega meus enganos, ninguém me liberta de meus pecados. Minha cruz não é a sua. Quero nada além dos meus fracassos. Não porque os venere ou os cultive. Mas porque atestam as vitórias que o peso deste mundo esconde de mim.

Estou de sapato novo. Ando de amor renovado. Respiro os aparelhos das vigilâncias digitais. Tenho um longo caminho depois que parei de andar ao contrário. O peso da vida eu suporto; o que não suporto mais é o peso dos seus mundos. Há espaço suficiente ao meu lado. Há histórias inteiras em cada suspiro. Há infinitos dizeres pedindo mil palavras. Estou pronto para tudo: não estou disposto a morrer por nada. Sente nos ombros? Meu peso é sobrenatural.

*Texto publicado pela Tribuna do Planalto

Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação Pública de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).
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