Nem todos nasceram Kafka

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Pra algumas pessoas, quem escreve, não escreve: manda recados. Incrível a capacidade de encontrarem sentido onde não há. Minha reserva sobre o assunto é que desconhecemos, por outro lado, a capacidade que temos, quando escrevemos, de dizer coisas sem que percebamos. Vai que o diabo do que o outro entendeu está mesmo ali. Nunca se sabe.

Outra coisa é que comunicação (e escrever) é mais o que o outro entende do que o que lhe é dito e anotado. As coisas se complicam nesses meandros. Óbvio. É inevitável. Porém insisto que existe essa outra instância à parte: a dos que entendem as coisas como um recado pessoal. Não conhece o escritor mas identificou-se com ele? Não deveria ser para tanto, mas é real: foi recado aquele ‘bilete’.

Azar de quem não escreve para a gaveta. Nem todos nasceram para Kafka. Quem escreve quer ser publicado. E compreendido, de certa forma. Digo de certa forma porque entramos aqui em outro labirinto. O daqueles que escrevem pra provocar, e aí a compreensão é relativa, fica mais no subtendido do que no liminar. Ou o daqueles que querem confundir, senhores da mensagem superficial com alma profunda.

Os escritos despretensiosos não escapam de dizer além do que dizem de fato. O sujeito está falando da lua, dos pássaros na imensidão do céu, da luz do sol nos olhos apaixonados, e o que o outro, ou a outra entende? Olha lá: tá apaixonado e não é correspondido. Talvez porque estes leitores estejam muito próximos do criminoso. O escritor. Quando se lê Drummond, o recado já se desvanesce no tempo.

Claro, vira recado o ato de republicar um poema. Tá querendo dizer o que? O escritor diz uma coisa e o publicador diz outra. Mas aí já tô avançando na problemática da sobrevivência mensageira. Em todo caso, impossível não considerar tudo porque vivemos em uma sociedade que é cada dia mais virtual e sujeita a escritores e, como direi, outros escritores que nem são propriamente, embora vivam escrevendo como escritores para dizer a quem sabe quem – e quem não sabe – o que ela ou ela vai entender muito bem.

Não pensem que toda essa mistura de realidades e personagens e protagonistas enviesados intimida os escritores. Pra mim, estimula. Escrevo, logo espero. Espero pra saber o que foi que, caramba, escrevi de verdade. Verdade? Esquece a palavra. Onde acabar verdade neste mundo, meu Deus! Pois as palavras ditas são as verdadeiras, pode-se dizer. No entanto, como negar que o sentido captado, ainda que percebido no feitio de um reles e miúdo recado mesquinho, não tem lá sua verdade absoluta?

Os escritores produzem sentido. Os artistas, em geral. Quem mais? E me conforto em acreditar de coração aberto que aí está o ponto primordial: todos os sentidos nos humanizar. Entendam-me como mensageiro de uma sabedoria, um verso encantado, uma doce frase de efeito emocional caloroso. Entendam-me como um atirador de elite que carrega sua pena com palavras dicionarizada. Entendam-me. É que eu seja o agente, também, do seu desentendimento. Eu escrevo, não tenho outro sentido. Sou sentimento e lava.

E não tenha dúvida: escrevi especialmente pra você.

Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação Pública de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).
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