A face da velhice

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Pois é, a velhice é uma experiência tão interessante!…

Gratificante, acima de tudo. Foram 80 anos até agora. E cabe mais.

Olho para trás e vejo tanta coisa!… Ruins e boas, tudo faz parte. Tive momentos difíceis que, no entanto, foram compensados por vitórias marcantes. Constituí uma família que me fez feliz: uma esposa amada, quatro filhos e oito netos, todos maravilhosos, e agora um bisneto sapeca. O que conta mesmo é que Deus me concedeu a graça de chegar até aqui. Amei e fui amado. Chorei, mas sorri bastante. A conclusão de tudo não poderia ser outra: vale a pena viver!…

Confesso que nunca passou pela minha cabeça a possibilidade de ficar velho um dia. Era menino, e menino não tem cuca para gastar com pensamentos dessa natureza. Por que alguém na flor da idade, cheio de vida, olhando um mundo inteiro à sua frente e com a mente repleta de sonhos se preocuparia com detalhe tão insignificante? Não que eu não soubesse da existência da velhice, isso não. Já era grandinho o suficiente para perceber que havia pessoas idosas à minha volta.

Meu avô era idoso, e eu gostava muito dele. Um vizinho nosso que vivia o tempo todo xingando Deus e o mundo de “desgraça” e “fedaputa”, dois nomes de rachar aroeira, como dizia minha mãe, também era velho, bem velho. Porém o raciocínio ia só até aí, não tinha permissão para ultrapassar as barreiras da tenra infância. Eles eram velhos. Eles. E pronto. Era indiferente para mim. O que eu tinha que ver com aquilo?

Verdade que segundo os meus limitados conhecimentos, a velhice caía bem ao meu avô e ao nosso vizinho, não a mim. Eles, sim, podiam ser velhos. Eu não. Nunca imaginava que esse estágio da existência, que recebe o apelido carinhoso de terceira idade (ou melhor idade) pudesse um dia me assediar e chegar até mim.

Pois chegou. Não há de crer que mesmo não dando bola pra isso, num belo dia acabei dando conta de que a tal velhice tinha chegado! De início, fiquei um pouco assustado, mas assimilei logo. Mesmo por que diante de uma fatalidade não há praticamente nada a ser feito.

Os cabelos não estavam totalmente brancos como agora, mas já havia grande indício de que a terceira idade batia à minha porta. Coisa assim de menos de cinquenta por cento da couraça cabeluda, fato que não deixava de ser mais do que um prenúncio da idade avançada. Acho que todo o mundo via, menos eu.

Durante toda essa magistral experiência de viver, cambaleando aqui, porém me erguendo acolá, sacudindo a poeira e me colocando novamente no páreo da corrida seguinte, a vida me ensinou que é necessário eleger prioridades. Assim foi que ao me tornar adulto de verdade, isso lá pelos meus vinte e dois anos, quando me casei e assumi as responsabilidades de chefe de família, elegi três bandeiras importantes e comecei a defendê-las convenientemente: a família, o trabalho e a Igreja. O trabalho, em duas fases: primeiro, o magistério, por 25 anos consecutivos; por último, a advocacia, durante 46 anos seguidos. Com a família e a Igreja, desde o início do meu casamento me fiz cada vez mais empenhado nas minhas obrigações e devoções. Sobre estes três pilares, construí toda a minha vida.

A família foi a razão de toda a minha existência. Sempre vivi pela minha esposa e pelos meus filhos, sem jamais me esquecer dos meus pais, dos meus irmãos e dos meus sogros, até por que estes me receberam e me trataram não só como genro como também na qualidade de filho. Sempre me orgulhei da minha família. Tenho-a como um presente de Deus.

A Igreja constituiu o lema de toda a minha caminhada, juntamente com minha esposa e com meus filhos. Foi da Igreja que recebemos os ensinamentos e a direção segura para o encaminhamento dos nossos projetos familiares, ajudando-nos e orientando-nos no discernimento daquilo que poderia ser benéfico ou maléfico, tanto para as nossas aspirações materiais quanto para a nossa vida espiritual. A Igreja ensinou a todos nós que Jesus é o Salvador e que os seus ensinamentos deverão estar impregnados nos nossos projetos de vida.

O trabalho honesto, competente e compactado nos trilhos da justiça foi a minha aposta, para sustentar e sedimentar toda a minha vida e da minha família. Foi com base nesses princípios que lutei incessantemente para estudar, para me formar e para me tornar professor e, posteriormente, advogado atuante.

No exercício da advocacia realizei o grande sonho de ganhar o suficiente para criar a minha família e sobrar tempo para ser útil à sociedade, na prestação de serviços com qualidade, até mesmo para aqueles que não reuniam condição financeira suficiente para pagar os honorários.

Jamais priorizei o dinheiro. Verdade que sem ele eu não seria capaz de me sustentar e de prover a minha família. O dinheiro é necessário, indiscutivelmente. Mas daí a priorizá-lo, colocando-o à frente de outros valores, a fim de buscar riqueza fácil e a qualquer custo, não.

Ultimamente enfrento com frequência questionamento desse tipo: “Como advogado bem-sucedido e respeitado e como prefeito você não ficou rico!…”. Costumo responder: Verdade. Porém, oportunidades não me faltaram. É que sempre fiz questão de ser justo e de jamais extrapolar os limites da honestidade. Como advogado e como prefeito, então, foram tantas as propostas indecorosas que recebi!… Contudo, quando isso acontecia, Deus sempre vinha ao meu auxílio e não permitia que eu me enveredasse pelos caminhos da indecência e da corrupção. Sou feliz assim. Em paz com minha consciência e com o Deus que me deu o sopro da vida, que orienta a minha caminhada e que é o meu protetor.

Necessário se faz esclarecer que essa minha caminhada, que já dura 80 anos consecutivos, com início em 25 de junho de 1944, não a fiz sozinho. Muita gente esteve presente em algum momento, com aquele empurrãozinho de pai, de mãe e de amigo, proporcionando-me o bálsamo da sabedoria e do controle emocional, tão importante para o enfrentamento da labuta do dia a dia.

Primeiramente, tenho-a como uma graça especial de Deus. Nas horas difíceis (e foram tantas!), meu coração gritava por socorro, e Ele sempre vinha com a mão estendida. Depois, Deus me deu uma companheira fiel, que ombreou comigo cada um desses momentos vividos. E já estamos chegando à casa dos 60 anos de casados.

Antes disso, o amor de meus saudosos pais proporcionou a minha vinda ao mundo, mediante o sopro de Deus. Eles foram os responsáveis não só pelo meu nascimento, crescimento e sustento enquanto infante e adolescente, como também pela minha educação e pelo meu encaminhamento na vida, além de que se constituíram em meus exemplos e minha inspiração para os atos da vida.

Amigos? Tive vários, que foram muito importantes em toda a minha trajetória de vida, tanto os da infância quanto os conquistados no decorrer da existência.

Meu pai, homem simples e de pouco estudo, me disse certa vez, em um dos instantes críticos, de decepção e de sensação de derrota na minha caminhada existencial, que a vida nunca se desenvolve em linha reta. Subidas e descidas, altos e baixos são constantes no caminhar de todos nós, humanos. A estrada da vida é longa. Às vezes encontramos atalhos, mas às vezes é mais conveniente dar a volta, mesmo que longa, para chegar ao nosso objetivo. De vez em quando a gente tem de atravessar uma escuridão, porém depois vem a claridade como contraponto. E em toda essa caminhada devemos estar firmes, determinados, cabeça erguida, com fé em Deus. Quando as coisas estão bem para nós, não podemos nos esquecer de que a dificuldade está sempre rondando a nossa porta. A outra face também é verdadeira: Se passamos por momentos difíceis, jamais podemos perder a esperança de que o próximo passo será a vitória. Mas é preciso ter coragem, determinação e disposição para recomeçar.

Recomeçar? Aos 80? Por que não? Nunca fui de entregar os pontos. Quando isso acontecer, pode fechar a tampa do caixão.

Elson Oliveira
Elson Gonçalves de Oliveira foi professor de Língua Portuguesa, é advogado militante e escritor, com vários livros publicados.
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