Dois níveis de escrita e o silêncio sem mais nem menos

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Há em mim dois níveis de escrita. São muitas as camadas de sentimentos. Portanto, me julgue no plural. Singular é a vida. Ou leia, e só. Em um dos níveis, todos entendem de cara o que quero dizer. Há profundidade no peso do meu olhar e há simplicidade nas frases benditas.

No outro, eu mergulho, borbulho, complexifico desde a superfície o que quero dizer. Digo. Nem sempre compreendo de saída, o (meu) significado. Na escrita, por sinal, me vejo. As frases herméticas eu leio do avesso. Eu do avesso, por certo.

Um mesmo singelo querer dizer, é um querer complexo. Escrevo: o beija-flor machucou o bico, gritou e foi embora. Você sabe que falo de um amor perdido, porque antes e depois eu conto a história de Romeu e Luciana, no banco da praça. Não há intercalada. Não há aposto, nem subliminar composto e adocicado.

Escrevo: o beija-flor mordeu a dor, chorou a lua e bicou o sol. O que você lê? Tudo. O que você entende sem dúvida? Nada. Há tanta explosão na frase que ela simplesmente implode o sentido e viaja na sombra do tempo, por horas e desoras. As palavras comem as beiras da alma, suicidas. As palavras comungam a fé.

Sou tão intenso que às vezes ultrapasso os céus. E bebo do êxtase dos infindáveis testemunhos da imaginação. Quero que saiba que tenho a maior satisfação em ser andorinha, entanto não alcanço vocação para o canto. E imprimo com todas as letras, a incandescer todo meu sangue: eu me encanto. Por falar nisso: eu? Entretanto.

Tenho camadas, tenho acúmulos. Acontece de escrever fatos, engasgar realidade e perder de vista a alma. A alma não tem linha que baste. A alma tem o significado e tem os insignificantes, e tem o parágrafo e tem o ponto final. Mas sempre há o que acrescentar à vida por escrito.

Quando se consegue fisgar a essência do que significou pra gente um simples olhar com meio sorriso em meio à tempestade, ou o abraço inesperado – quando só nós sabíamos da iminência do desespero nas entrelinhas -, então eis que se tem a reportagem sincera e humana dos nossos sentimentos.

Não tente me entender subliminarmente. Não tente me entender de forma alguma. Palavra por palavra eu me dispo de quem sou, e nu, revelo o que sou ao fim do texto. Nada de eleito e essência. Apenas o resultado de uma escrita sem método e sem medida.

Me desinterprete, se for capaz. Ou sorria, porque está sendo filmado pela minha simplicidade, mas com método sistemático de incompreensão razoável. Agora que não há mais o que ser dito, é hora de dizer o que está explícito e ler o que não tem sentido senão com os olhos apartados do que há para ser desinterpretado.

Meus dois níveis de escrita são apaixonados. Incompreensivelmente escrevendo. Indiscutivelmente em se falando. O mais incrível, em tretando, é o que está implícito e o que está em silêncio. O que não falo é maior do que não digo e infinitamente superior ao que está ao pé da letra e ao gosto das palavras de repente.

Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação Pública de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).
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