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Eu sou riso de nascença

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Lembro muito do meu tio Tonico provocando a gente, menino de tudo, com as coisas da roça. Eu era da cidade do interior, mas perto dele, que aprendeu de tudo na fazenda velha da Água Vermelha, me ver subindo na porteira e gritando ôôôaaa desafinado era motivo de rir arreganhando os dentes. Meu avô Zequinha, pai dele, ria assim também.

Meu avô chamava os netos e mandava puxar o dedo indicador só pra levantar um tantinho a bunda na banqueta e falar com graça e dentes arreganhados: preeeetejôôô… Meu avô e meu tio riam levantando os focinhos e puxando o ar pra dentro. A gente ouvia os gritos de alegria deles entrando na garganta na proporção que pareciam engasgar com a sem-graceza da gente.

Meu tio Urias parecia que não ria, mas era a gente descuidar e tava lá aquela risadinha miúda debaixo do bigode. Tia Divina, mulher dele, ria do mesmo jeito, veja se pode, e costumava rir segurando um cigarrinho de palha disfarçado no canto da boca. Eu canso de dizer que eu lembro mais deles rindo do que bradando com a gente, e olha que a gente merecia, quando nós juntávamos aquele bando de primos, eles trabalhando e eu indo atras, parecendo gente.

A risada mais parecida com a do vô Zequinha era a do vô Bastião, com a diferença que vô Bastião parecia um motor de cortar pegando nos trancos, só que aos trancos e barrancos, assim, nessa demagogia com o coração. E eu penso: caramba, mas o vô Bastião era tido que nem o tio Urias, homem bravo, cara séria, sistemático igual focinho de porco, mas eu mais lembro dele é mesmo rindo, rindo na roça e rindo na velha Campininha das Flores, vendendo bengala que fazia e os ralos que furava buraco por buraco.

Deve ser aí que aprendi a rir, só pode. Vejo que meu pai ri melhor que eu, que minha mãe ri mais que riso, principalmente quando a gente funga no cangote dela, e não tiro da cabeça minha tia Odete rindo em pacotinho, meu tio Ivan segurando a fumaça da risadinha boa, e minha vó Maria, ah minha vó Maria, rindo escondido já de si mesma e pra si mesma quando fazia uma arte, por exemplo comer pamonha escondida e depressa, ou colocar roupa pra secar no arame mas de repente perceber que o arame era a sombra do arame. Gente, não deu outra: eu nasci rindo e vou viver na risaiada. Não tenho solução.

Solução tenho demais, né, tio Tonico, já tô até ouvindo seu zurrado.

Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação Pública de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).

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