Hoje e amanhã

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Uma das coisas mais difíceis na vida é aceitar os próprios erros. Isso não é humildade; é coragem. Efeito direto disso está na paz de espírito para entender como é importante o que os outros pensam e dizem a meu respeito, porém que o fundamental é saber o que eu entendo de tudo, o que eu faço de tanto.

Parece simples, mas vai lá, viver. Viver é ato reflexo, reflexivo, compulsivo e convulsivo de fora pra dentro e de dentro pra fora, fluxo contínuo e caótico. Não dá pra viver o instante atual sem querer já viver ao mesmo tempo o instante seguinte e reviver certo passado, ainda que isso seja impraticável do ponto de vista físico. Sobre viver: menos física, mais literatura. Não tem erro. Somos o erro.

Há noites em que quero falar com muita gente, só pra saber se estão bem, e se estão de bem comigo. Parece que está tudo errado, que fiz tudo errado, que não tenho salvação. Então preciso ouvir um ruído, que seja, do coração de quem amo, das pessoas de quem gosto, nem que seja de alguém que liga um pouco pra mim. Ouvir a minha consciência.

Nesses dias, a coragem está na persistência da alma diante da realidade, que cobra um corpo. Um corpo mesmo, e não um ser por ser. Um corpo para velar, por conta dos sonhos não realizados, das contas não pagas, das frustrações inevitáveis, das amizades incautas. Melhor seria admitir que tudo é maior, e que o regozijo da respiração profunda  diante da absoluta falibilidade traduz nada mais que o menos que somos. O corpo sem alma vem a ser a alma do corpo mole.

Durma. Sim, recomendo aos irmãos de sentimento. Durma e deixe o coração dormir. Não será fácil. Pode ser que o sol venha primeiro e que outro dia se sobreponha. Paciência. O sono virá inevitavelmente como uma chuva no quintal. Porque somos isso, uma casa com quintal cheio de mangas, jabuticabas, uma horta, um varal, ou rouxinol e os gatos pingados nos muros velhos e velhacos.

Somos uma coisa boa, para quem conhece, e um sonho, inclusive para quem não conhece a porta da nossa cozinha. Somos uma surpresa diante de outra e a incógnita desse encontro. Só nos definimos por princípio.

Sempre espero ser compreendido completamente. Pelas virtudes e defeitos. Pelo conjunto da obra. Nem sempre isso acontece. É mais fácil sermos julgados do que ponderados. E não descarto que isso talvez seja até bom, porque na soma e na subtração dos meus atos, posso dever mais do que ter a receber.

Prefiro contar histórias a fazer as contas da vida. Depois das horas de peito aberto, me fecho no sentimento. E vivo sem filosofia. Porque a minha vida vai morrer comigo, e não antes, e jamais sem eu. Como tenho tanta certeza? Não tenho. Só não me esqueço disso. Meus erros são a única coisa que eu tenho, é o que me fazem viver. O acerto vem depois.

Publicado primeiramente em Tribuna do Planalto.

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