Era uma vez um prefeito que não via pela janela. Seus assessores instalaram, para sua proteção – as reações do povo aos seus mandos e concepções de mundo na cidade causavam constantes revoltas nas redes sociais -, um espelho no lugar onde deveria haver vidro. Ao olhar para fora, agora ele se via e via uma enorme sala com móveis bonitos e caros. Tudo na mais perfeita ordem.
“Vejam, lá fora é igual aqui dentro. O povo não tem do que reclamar”, dizia, feliz da vida. “Eu e o povo, o povo e eu.., pra mim é tudo igual.” Quando desconfiava que estava diante de um espelho e não de uma janela, um assessor corria pra esclarecer, com delicadeza cerimonial: “Prefeito, é a sua imagem e semelhança refletida nos olhos do seu povo.” Ele sorria vencedor. Depois, ia pra mesa receber gente. “Isso que é ser amado”, arrematava.
Para quem olhava de fora, havia no mesmo espaço em que o prefeito se via, de lado a lado – esquerda-direita, direita-esquerda- uma grande faixa preta com letras brancas que dizia: ‘Prefeito trabalhando; NÃO perturbem!’ Assim, com ponto e vírgula, exclamação, ordem no plural e sentido liminar. Tudo pensado e executado pela melhor equipe de marketing político da prefeitura. O objetivo era um só: criar verdade, em vez de iludir.
O prefeito se sentia o líder escolhido por Deus para semear o progresso e a satisfação naquela terra. E encontrava ovação em todo canto que ia. Seus ouvidos nunca ouviram um senão, um sinal de descontentamento público, uma vaia sequer. Ele fazia questão de sair do alcance de sua segurança especializada, andar entre os presentes nos eventos, e só encontrava retribuição aos seus favores e aos seus comandos.
Ao ver os telejornais nas TVs, ficava em silêncio. Naturalmente, não acreditava no que via. E seus assessores deixavam que visse, e gargalhavam com as denúncias, reiterando a irrealidade de todos os fatos. Os jornais impressos eram colocados na cesta de panfletos da oposição. Fofoca nenhuma conseguia furar o cerco de proteção ao prefeito. Tudo era pensado para ser imaginado sem dúvida alguma por ele.
Quando chegou a reeleição, nada mudou. E a campanha transcorreu como deveria. No gabinete era o reflexo do prefeito vencedor; fora, a irrealidade pura. Ninguém desconfiou das urnas. Até que elas foram abertas. e deu-se o esperado: o prefeito foi reeleito no primeiro turno, e com votação histórica, inédita. A festa tomou conta das ruas, nem respeitou a madrugada. Ninguém duvidou. E não é mentira.
Moral da história: política é ficção; irreais somos nós.