Admiro os que preferem viajar a escrever. Que, sabendo e podendo escrever, escolhem não o fazer, para apenas viver. Conheço uma pessoa assim. Não o invejo. Eu o vejo com seu prazer, sua realização, e isso me mostra que, apesar de não ser ele, de não querer fazer como ele, eu tenho todos os sintomas de felicidade que ficam estampados em seu rosto aí nos conta uma aventura, ou anuncia uma nova jornada.
Minha jornada é outra. Ou me embrenho pelas livrarias, me escondo nos cantos quietos dos cafés, eu desapareço por longas horas na concepção de algo que muitas vezes está pronto, apenas transcrevo, em um processo que alguém já definiu mediúnico, mas que eu leio bíblico. Não é a mesma coisa, claro. Mas não sou também a mesma coisa de quem quer que seja. Tenho com a escrita uma cumplicidade mirabolante. E o que recebo de volta é uma plenitude que nunca vi em parte alguma, nem descrita.
Há angústia da escolha do itinerário, sofrimento com as coisas pequenas que dão errado demais, as malas perdidas, os desencontros dos fusos horários. E há o peso dos destinos encruzilhados. Há na tela o mapa mal traçado de vidas entrelaçadas em mundos cheios de praças, igrejas, cachoeiras, casarões antigos e amores os mais embaralhados. Para onde quer que eu vá, um fim me precedeu, uma ideia brotou como história inesperada. Não me perco menos, em meu coração, do que na realidade.
Só faço as viagens dos meus sonhos, dentro, fora de mim, onde ainda nem existo. Vou para respirar sentimentos que conheço, e para libertar aqueles que entregam flores como passaporte, para depois me despetalarem. O melhor da caminhada sou eu; a pior jornada é a que não se destina a mim. Admiro principalmente seu desapego à gramática e à literatura que não desenham passos que ultrapassem os seus pés. Você não tropeça na vaidade nem na fartura de lugares. Apenas vai. É mais além.
Nem todos sabem o que estão vendo quando enxergam os viajantes. Pensam logo que somos espíritos perdidos no tempo em que nos julgam. Nunca estão saindo, como nunca estamos chegando. Mas deixe que nos vejam. Navegamos nos seus olhos, escalamos o seu espanto. Ou simplesmente seguimos para qualquer canto, enquanto a vida bate com eles o carimbo em nossas passagens. Viajar é um poema que eu canto, você canta e ninguém mais conta por nós.
*Texto publicado pela Tribuna do Planalto