Pois é, “Quando setembro chegar!…”
Essa frase retrata e sugere um emaranhado de coisas, excepcionalmente a esperança e a quase certeza de sair do marasmo em que eventualmente a pessoa se encontre, para inaugurar novo momento da vida, onde tudo promete ser diferente e melhor, mais agradável e consistente, isto “quando setembro chegar”.
Meu saudoso pai pronunciava tal frase com doçura nos lábios e ânimo no coração, acreditando piamente na sonoridade e na força de efeito que ela podia produzir. Trabalho pesado da roça e situação financeira difícil, mas tudo era encarado com serenidade e com a certeza de que o futuro reservava dias melhores.
É que a sabedoria popular hipotecava a garantia de que setembro representava o final da seca, o final das queimadas, o final da aridez do solo, o final das vacas magras e da aniquilação das nascentes.
Mais ainda, setembro era sinônimo de chuva em abundância, fazendo com que o solo voltasse a ser úmido e fértil; as plantas sinalizassem que a natureza estava em festa; as árvores retornassem à naturalidade do verde e exibissem o charme das flores; o gado mugisse com propriedade e vigor; e os rios se vissem mais ricos em peixes e minérios, movidos pelas nascentes cada vez mais caudalosas.
E aí o homem da roça estava liberado para o plantio da sua lavoura, que garantiria o sustento anual da família.
Diz a poeta:
Quando setembro chegar, o inverno terá acabado, e o amanhecer virá me acordar,
apressado. Não mais haverá folhas secas caídas ao chão, pois as cores, antes tímidas,
voltarão em puro êxtase, bailando num festival deliciosamente provocante.
Quando setembro chegar, o sol estará pleno, iluminando os mares do meu mundo. Uma brisa suave teimará em bater de leve em meu rosto, desajeitando meus cabelos
úmidos e pesados.
Quando setembro chegar, correrei ao encontro dos sentidos. Uma onda de felicidade atingirá todo meu corpo. Alegria em forma de espuma nos pés, contentamento em forma de grãos de areia nas mãos. Não haverá nuvens no meu céu.
Quando setembro chegar, eu serei todas as estações do ano. (Ludmila Guarçoni)
Meu pai estava coberto de razão. Enquanto o costume era amaldiçoar o mês de agosto (sem razão, diga-se de passagem), impingindo-o com a pecha de mês do azar, das maldições e dos acontecimentos nefastos, todas as fichas da esperança eram depositadas na chegada do mês de setembro, que se apresentava como o avesso do mês anterior, com o símbolo da sorte, da beleza, das bênçãos e da prosperidade.
No entanto, tudo mudou. Se meu pai estivesse vivo, certamente hoje ele se decepcionaria com a realidade apresentada no mês de setembro. É que por culpa da ação desenfreada e gananciosa do homem, setembro não é mais o mesmo. Os desmatamentos sem trégua e muitos deles irregulares e até mesmo clandestinos devassaram as matas e os cerrados, levando a natureza a perder o controle de sua força e de suas ações naturais.
Por conta disso, não há mais regularidade das chuvas no mês de setembro. Aliás, nem chuva pegada. E enquanto isso, a vegetação permanece seca, com queda constante das folhas. E além do mais, os mananciais já não são mais operantes, e o plantio regular da lavoura foi transferido lá para o final do ano, quando as chuvas resolvem finalmente aparecer.
Mas não tem nada não. Setembro continua sendo o mês da Proclamação da Independência do Brasil, o mês da primavera e das flores, o mês da Bíblia e o mês da esperança de dias melhores para todos os que acreditam na força do trabalho honesto e nos valores da família, assim como nas bênçãos de Deus.
*Elson Gonçalves de Oliveira foi professor de Língua Portuguesa, é advogado militante e escritor, com vários livros publicados