Saúde, meu povo

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Saúde nunca foi uma preocupação minha. A minha saúde. Me preocupo com a saúde dos meus pais, da minha família, amigos, parentes, até fico amolando quem está próximo com a ladainha “tem que cuidar da saúde”. A minha é um detalhe. Era. Nas últimas semanas ando com o corpo pedindo atenção aqui e ali, as pernas rangendo e o sol moendo as ideias igual engenho velho. Tá mais difícil fazer coisas que antes eram mamão com açúcar. Perder peso era uma delas.

Eu já fui um palito, apelido Linguiça, que me deixava pra lá de descontrolado. E sofria mais por uma razão simples: do que uma linguiça é capaz no mundo? Sofria, viu. Depois veio a barriga. Veio e nunca mais foi embora. Só que ela crescia e baixava segundo a minha vontade. Hoje o que mais tenho é vontade, e o que menos consigo é resultado. Emagrecer um quilo é padecer no inferno. Não xingo mais porque descobri que isso engorda. Aliás, depois dos quarenta, tudo engorda, principalmente respirar.

Com os dissabores achei a solução para este problema: foda-se! Mas o foda-se tem alma, e na alma traz as consequências do auto-desligamento da realidade. É ir no médico e ouvir a sinfonia do adeus: se não cuidar da saúde… Mais difícil do que conviver com a gente mesmo sem saúde boa é aguentar os parentes saudáveis chateando a gente. Muito pior que as minhas ladainhas. Isso adoece o espírito junto com o corpo, ou vice-versa, e só Jesus pra salvar.

Natural que a saúde comece a faltar ao trabalho de manter o corpo são na medida em que a idade chega. Mas não quero culpar a idade. Estou tão feliz com minha velhice que nem saudade mais eu sinto da juventude. Se pudesse nasceria de novo já velho, pularia a juventude e, quem sabe, até a infância. Até porque a única infância que aceitaria é a que tive na ponte aérea – minha cabeça era de vento – entre Vianópolis e São Miguel do Passa Quatro. Naqueles termos, com o Zetão, o Pedão, Maelzin, Pinta, Preta e uma renca de moleques que nem te conto.

Minha saúde minguante tem a ver com meu tempo na terra, com o que trouxe na bagagem e com o que fui acumulando. Não reclamo. Devia ter me cuidado mais? Tá, mas o passado eu já vivi demais pra jogar na minha cara a cada novo passo. Vou ali, ouço um médico, tem vez que ando com sacolinha de hipocondríaco, depois me canso, assim vou indo. A humanidade tem muito a perder, me sussurra a falsa modéstia. E eu, tenho a perder caso o plano de saúde divino falte e eu tenha que ir para a fila de São Pedro?

Penso no que vim fazer neste mundo que ainda justifique eu estar aqui. Que explique eu ter chegado aqui. Recebi uma cota de vida com saúde pra pagar uns pecados, quem sabe. Ou será que vim salvar alguém? O propósito é a saúde do espírito. Este está em dia, percebo. Não sei exatamente qual é, mas carrego-o como oxigênio e o vejo me dando vida mesmo que não consiga enxergá-lo materialmente. Quem dera pudesse ser assim com o corpo: a gente ir conquistando saúde com o passar da idade, e não o contrário.

Quero ter a saúde do meu pai. Nos seus oitentinha, ou quase, ele tem barriga, tem disposição e tem um coração maior que o mundo. Coração é aquela parte da gente tanto maciça quanto intangível; a soma de tudo, metáfora viva, insalubre recipiente da bondade divina. Porque não somos humanos. Somos literatura fazendo história. Sem fim. Sem finalidade e sem ponto, apesar da tosse, do câncer, da dor de barriga e dos vômitos intermináveis. Vejo meu pai e penso, logo concluo: como eu, a saúde dele nunca foi uma preocupação dele. Sempre foi da minha mãe. Falar nisso, e a saúde dela, hein?

*Texto publicado pela Tribuna do Planalto

Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação Pública de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).
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