Todos os pecados estão perdoados

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Senhor, eu pequei. Pequei pra caramba. Tenho até vergonha de contar. Detalhes, nem pensar. Creio em tua onisciência, onipresença e onisabedoria, o que enfim me desobriga de repetir tudo que fiz e, por ser sincero meu arrependimento, me liberta de todo mal, amém. Tô perdoado, né. Eu pequei sem querer pecar, nem preciso dizer, embora soubesse o que estava fazendo. Como fugir da tentação se o diabo é mais velho do que eu, e muito mais sabido? O senhor me fez assim: a razão querendo uma coisa, o coração pensando em outra.

Esse mundo não anda fácil, o Senhor há de reconhecer. Viver aqui anda pela hora do assassinato. Só não peco na indecisão. Dou dinheiro pra pedinte na rua ou não dou? Entrego 10% de tudo que ganho pra igreja, ou não tá valendo a pena e a absolvição? Sigo a minha vontade para ser feliz, a sua ou a do próximo? Voto no Lula ou no Bolsonaro. Não, no Bolsonaro é pedir demais. E não acredito que o Senhor torça por ele ou o Vila Nova. Tudo tem limite. Qual igreja o senhor frequenta, ou tem evitado todas, feito eu?

Me explica uma coisa, Senhor: preciso rezar o terço inteiro ou um Pai Nosso e uma Ave Maria estão de bom tamanho? Um Rosário? Sei não. Pergunto porque depois da primeira Ave Maria começo a pensar em coisas que o Senhor nem imagina. O Senhor sabe, né. Vê tudo, é verdade. Então, me diga o que é verdade hoje em dia, porque os fatos andam muito difusos e as opiniões tomaram conta do noticiário. Tá certo assim, é isso mesmo, ou preciso me reciclar para viver cada dia mais esquisita modernidade?

Não me abandone, Senhor. Digo isso pois tem momentos que pareço estar sozinho, sem um pingo de fé na humanidade, incluindo eu, e com soluções na cabeça que não recomendo. Como resetar as coisas e recomeçar desde o Big Bang. Só não faço isso porque ainda não achei o botão certo. Tô procurando. Será que a vida da gente é isso, um reset divino pra ver se recuperamos os programas originais daquela tábua das dez metas que Moisés anotou e que viralizou em nome do Senhor? Moisés o representa, eu sei, mas parece vendedor de ilusões.

Senhor, estou conversando muito para quem só quer lembrá-Lo que estou aqui, ciente dos meus pecados, mas também cioso de sua bondade e da promessa de que basta confiar que seremos conduzidos ao Reino dos Céus. Eu creio. Creia em mim: eu peco, e me arrependo quando reconheço o pecado. Sou gente boa. Só não me chame de homem de bem, por favor. Esses andam desmoralizados por aqui, desde que resolveram pregar uma coisa e fazer outra, em seu nome. O Senhor entende. Talvez esteja preparando algo aí pra eles, tipo uma estadia no inferno. Só tô falando.

Senhor, não se esqueça de mim. Quero pouca coisa na vida. Minha vida basta, desde que em convivência sadia com os meus semelhantes. Até a solidão é mais gostosa quando sabemos que tem alguém – alguéns – por perto. Não precisa presente. Basta um futuro de amor, alegria, justiça social, educação para todos, saúde exuberante e universal, uns sorrisos daqui pra lá e de lá pra cá, mais um pouco de sorvete, pamonha, pequi e jaboticaba. Veja, não é muita coisa. Sim, pode mandar pelo Papai Noel. Não me importa. Não preciso que ele exista para que sua bondade seja de verdade.

Senhor, se o mundo for acabar, ou eu faltar algum dia, cuida da minha família, tá? Eles também são filhos Deus, como se diz. Ah, e se o Senhor não existir e tudo que estou falando e tudo que está acontecendo e tudo que existe não passar de mais uma estupidez nossa, me faz um último favor: me benze. Amo tanto as benzedeiras. Uma última coisinha: se o Senhor for fruto da minha imaginação, reincidência da minha fé, arruma o jardim aí em cima porque eu tô cheio de esperança de que assim que acabar meu turno por aqui, vou correndo para viver minhas férias eternas sob seus cuidados. Se eu existo e eu que O criei, fica mais fácil. Está tudo perdoado e o paraíso sou eu. Tamojunto!

*Texto publicado pelo Diário de Goiás

Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação Pública de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).
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