Vou ali buscar o domingo

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Sábado à noite. Vou ali buscar o domingo. Meu avô Bastião carregava esse jeito de avisar que ia dormir. Homem da cara fechada, abaixava as armas nessas horas e revelava a alma alegre caipira. Mais de uma vez eu o peguei com sorriso solto. Pode acreditar. Soltava de repente o riso, dava pra ver os dentes que restavam. Emborcava o corpo, acudia um passo pra traz e mexia desajeitado as mãos. Ouvi-lo fazer uma graça era um susto gostoso. Eu custava a acreditar. Me divertia e ao mesmo tempo abastecia meu coração com aquela imagem instantânea, um retrato afetivo para a memória.

De uns tempos pra cá, me dou conta do tanto que meu pai está parecido com vô Bastião, o pai dele. Meu avô não chegou aos 80 anos. Meu pai chega este mês, um senhor oitentão. Mas meu avô continua muito mais velho que meu velho pai. Engraçado isso. Os tempos são outros, as idades mudaram e a medida dos anos não está na razão, está sobre a cabeça deles. Lembro de arrumar desculpa pra passar a mão nos cabelos do vô Bastião. Tão lisos que pareciam paina. Os do meu pai estão igualmente brancos, mas não tão lisos. Meu pai tá novo. Todos dizem.

Todos dizem também que eu tô mais velho que ele. Mas isso é só a prova clara de como meu pai é amado. Ser velho é uma dádiva encantadora. Quanto mais fico, mais feliz eu sou. Chegar ser um Bastião ou um Elson não é pra qualquer um. Será que nossos ancestrais eram assim? Meu trisavô, homem da roça que nem sei se viu luz elétrica, sabia sorrir? E o tataravô, era de brincar com os filhos? Para chegarmos a Bastião, e a Elson, não tenho dúvida de que sabiam chorar e se regalavam em sorrir. O tamanho da minha responsabilidade: legar os homens bons que herdei. Por parte de pai – e de mãe.

Não sei que presente dar ao meu pai. O que pode querer um homem que tem a generosidade no DNA? Que tem Deus no coração? Que tem a pele estragada pelas eras, mas tão afável pra se aconchegar? Família, conquistas profissionais, bisneto, tudo isso a vida lhe deu. Amor? Por onde ele olha, brota. Que mais quer o filho do homem que, na hora de sonhar, vai ali buscar o domingo? Pai, vamos ali? Logo ali. Buscar mais uns oitentinha…

Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação Pública de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).
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