A largada da pré-candidata à prefeita de Goiânia pelo PT, deputada federal Adriana Accorsi, foi promissora. Nas primeiras pesquisas, ela revezava com o senador Vanderlan Cardoso (PSD) no primeiro lugar. Os outros nomes, incluindo o do atual prefeito, Rogério Cruz, apareciam bem atrás. E não havia sinal de nome bolsonarista no horizonte, a não ser Vanderlan, então ainda identificado com o ex-presidente Jair Bolsonaro e que, a exemplo de Adriana, reluzia espontaneamente como nome pra ganhar. Até um pouco mais forte, nas apostas. Isso foi ano passado.
De lá pra cá, Vanderlan passou a ser inimigo dos bolsonaristas, deu indicações de não ser candidato para apoiar justamente Adriana, e já voltou ao discurso de ser ou não ser. Até outro dia Adriana e Vanderlan estavam amarrados nessa história de possível aliança entre os dois e empacados nas articulações com outros partidos e nas ações de confirmação de candidaturas próprias. São aliados, mas não são; apontam ser candidatos, mas mostrando pouca ação e reação. Velha história. Mais do mesmo. Hoje, a maior novidade na disputa tem nome e sobrenome de incógnita: o bolsonarista Gustavo Gayer.
Gayer no jogo cria fato novo: ele e as diatribes do bolsonarismo, que as pesquisas divulgadas atestam ocupar amplo espaço na mente e no coração do eleitorado goiano. Senhor da extrema-direita, caso consiga o engajamento dos mais à direita e ao centro, Gayer naturalmente estará em um dos polos da disputa. Ele, de um lado, Adriana e Vanderlan – e quem mais aparecer – disputando um lugar do outro lado. Coloque-se na conta do “quem mais aparecer” uma candidatura que tem potencial pra chegar chegando: aquele que tiver o apoio do governador Ronaldo Caiado, presidente do União Brasil, e de seu vice, Daniel Vilela, presidente do MDB.
Gayer não tem nada a perder e tem chance de ganhar. Falam – essas vozes que pregam o apocalipse ou o paraíso político sempre que se veem em uma roda de conversa – que ele poderá nem estar na disputa, por razões várias: será cassado, perderá os direitos políticos etc. Pode ser. Porém, a questão aqui nem é ele como o escolhido do Bolsonaro. Qualquer um que tiver a unção do ex-presidente e de seu grupo carrega na bandeja um poder de fazer campanha e arrebanhar votos digno de deferência especial. Está no jogo, não está para brincadeira.
Juntos e misturados em claudicante estratégia e na indefinição pragmática de ações de rua e campo para se fortalecerem, Adriana e Vanderlan continuam contando apenas com a propulsão inicial, o chamado recall, o conhecimento de seus nomes pelos eleitores por terem disputado eleições recentemente. Um capital político digno, porém, que não rende dividendos sozinho. Ao contrário. Enquanto patinam no espaço da largada, Gayer e o bolsonarismo ocupam seus espaços; Caiado e Daniel preparam-se para ocupar mais espaço.
‘Mais’ porque Bruno Peixoto, presidente da Assembleia, abriu picadas com sua pré-candidatura até que Caiado o mandasse aquietar-se e recolocasse em campo o ex-prefeito de Trindade, Jânio Darrot. Caiado quer fazer história, fazer o que Marconi Perillo, quatro vezes governador, não conseguiu: no governo, eleger o prefeito da capital. Ele está, portanto, com a faca nos dentes. Assim como o bolsonarismo, que quer retornar ao Poder em Brasília. Para além de motivados, estão em ação e armados de estruturas relevantes: a de governo e a do bolsonarismo. Com um diferencial: o governador, hoje disposto a lançar um nome próprio à prefeitura, pode muito bem optar por seguir com um candidato – Gayer ou não – que tenha o DNA do bolsonarismo.
E aí serão duas máquinas trabalhando juntas, além, quem sabe, da do MDB, outra máquina eleitoral dentro de Goiás. Três, pois. Contra quem? Que se saiba, contra Adriana e Vanderlan – separados em trincheiras próprias, é a nova informação -, e contra o resto. No balaio do resto entra, por exemplo, o PSDB – em tese com quatro pré-candidatos e na prática, nenhum. PSDB que se coloca nacionalmente como estratégico adversário do PT; Vanderlan que não sabe se mantém o odor bolsonarista ou assume o cheiro lulista; e Adriana com o PT, que nega aliança agora com Vanderlan e pode ir a campo como favorito, mas jogar com time próprio sem reforços.
E não esqueçamos do atual prefeito, Rogério Cruz (Republicanos), cada dia mais sozinho e com uma máquina que não controla. Onde Rogério buscará alianças? Quem vai querer assumir o seu desgaste? Rogério tem ainda a expectativa de ser o candidato do governador. Seria a união de uma avaliação altamente positiva, a de Caiado, com outra grandemente negativa, a de Rogério. Noves-fora a dificuldade política dessa união hoje – nada mostra proximidade de projetos -, o que teríamos? Neste momento, as consequências de Rogério não ser candidato e mostrar simpatia ou apoiar alguém são mais relevantes, para se imaginar o resultado da eleição, do que ele ser candidato a ferro e fogo. Pesa mais tê-lo a favor do que contra.
Nesta altura do campeonato eleitoral, o posicionamento estratégico é retumbante. Muitas vezes as estruturas de campanha não ajudam por falta de profissionalismo. Mas há que se considerar o reverso da moeda: quem menos se ajuda são os candidatos. Eles são os mais amadores quando se pretendem infalíveis articuladores. Não seguem orientação, andam a esmo, tropeçam na ignorância (arrogância também). Veja Rogério Cruz. Ele faz campanha boca a boca, dizendo ser pré-candidato, mas na prática nem time tem pra entrar em campo. Amarrado na fé, com fé grita. Quem sabe conte com o milagre da multiplicação dos pontos ou com a expulsão de todos os adversários para, enfim, ganhar por W.O. O problema é o eleitor, que não apita, mas joga.
* Texto publicado pelo Diário de Goiás