O objetivo maior hoje do governador Ronaldo Caiado (União Brasil) é a disputa pela presidência da República. Isso está público e pacificado em Goiás, onde ele conta com avaliação alta (acima de 70%, segundo pesquisa recente) e palanque sem oposição. Como se diz em política, seu caminho está asfaltado e com pista dupla. Mas, isso é no Estado. A coisa pega quando a divisa é cruzada.
Caiado precisa de pelo menos duas coisas básicas para se firmar nacionalmente como candidato a presidente. Uma é um partido sólido, com espaço político, tempo de TV e força suficiente para lhe dar sustentação. Pode ser o União Brasil, onde já está. Pode ser o PL, para o qual já acenou. Ou o Republicanos, de quem já teve aceno. O governador está costurando, conversando e buscando esse chão. Nada garantido ainda. Longe disso, por sinal. Mas, não dá para subestimar sua capacidade de articulação. Possível, é.
A outra coisa que Caiado precisa é de discurso. Naturalmente ele tem no agronegócio seu brado retumbante. Foi representando o setor que ele disputou a presidência lá atrás, no nascedouro da UDR, a União Democrática Ruralista. Mas é preciso mais. Ser presidente da República não é levantar bandeira para ruralistas. A corrida pelo discurso está posta como desafio e como necessidade. Para Caiado, a importância é maior porque o espaço na mídia nacional abre portas, mesmo com os bolsonaristas, que tem seu próprio modus operandi na comunicação, mas que bate e rebate na mídia tradicional.
Eis o nó. Caiado precisa de pautas fortes e visibilidade ampla e é bom em transformar mar calmo em tempestade, porém, isso, desmedido, é igual aqueles galhos de árvore que você enverga e depois solta, voltando com tudo. A estilingada pode ser fatal. Quando o governador briga para mudar a pauta da economia, ele está pensando e agindo grande, no campo das ideias e posicionamentos. É uma questão de todos e institucional. Quando, no entanto, sobe o tom contra um desembargador que defendeu o fim da Polícia Militar, está cavando manchetes – ou cova própria.
O tema é populista, mas não é popular. Para os bolsonaristas, é prato cheio. Caiado acerta na mosca com a defesa da PM infinitamente mais do que com a queda de braço na economia. Ocorre que o sentimento em relação à PM não é unânime. Respeita-se o trabalho dos policiais, assim como teme-se talvez na mesma medida esses mesmos policiais. Em Goiás, as mortes de bandidos são comemoradas e pouco faladas pela população, e o governo não mostra com precisão as estatísticas. Quer dizer: cobrado na transparência, pauta nacional, o que dirá Caiado?
O foco das atenções numa eleição presidencial é diferente de uma campanha municipal ou estadual. Contratação de parentes no governo (Collor, o caçador de marajás), corrupção ou suspeitas, empresas ou amigos favorecidos mesmo fora da administração pública, respeito à liberdade de pensamento e opinião, respeito ao trabalho da imprensa, coerência entre o discurso e a prática, transparência, preparo emocional… tudo isso entra na conta do que é esmiuçado e levado ao eleitor, de forma honesta ou não (eleição é guerra de versões e narrativas) para definição de seu voto.
Por esse nível de escrutínio e exposição só não passam os candidatos vistos como sem chance de crescimento e vitória. Se o candidato está na disputa, ele é alvo. E aí é responder, prestar contas à população. Não adianta espernear, gritar, bradar moralidade e honradez porque, normalmente, como no caso dos afogados, quanto mais esperneia, mais afoga. Certo, os bolsonaristas seguem outra regra: eles confundem, procuram inverter a pauta, saem pelo buraco da fechadura. Mas Caiado, que é o ponto aqui, será candidato bolsonarista, fazendo o jogo dos bolsonaristas?
Na pré-campanha, com o nome posto na disputa, o pré-candidato, já está sob observação. Ainda que a visibilidade não seja ampla, os olhos do público que vive de política estão voltados para ele, porque todos estão sendo estudados e medidos. A imagem está em construção. E que imagem/perfil o eleitor de 2026 quer para suceder Lula? Lula será ou não candidato? Qual o melhor posicionamento para quem quer ser candidato e não tem ainda garantia de que será? Como não jogar fora um patrimônio político de décadas com atitudes que, na província, são consideradas positivas – como a tese bandido bom é bandido morto -, mas que expostas nacionalmente revelam mais autoritarismo do que republicanismo? Dão mais medo do que respeito.
Ninguém espera de um pré-candidato que mude seu caráter e princípios para agradar eleitores. Porém, vivemos tempos estranhos. Parece que nunca foi levada tão a ferro e fogo a ideia fixa de que é preciso agradar o eleitor. Só que isso feito segundo a noção de cada um, ou de acordo com os conceitos e a prática daquele que desponta, como Bolsonaro despontou de repente em 2018. Há diferença grande em ir com a manada e abrir picada própria. E a perspectiva real de que cada eleição é outra eleição – ou seja, tem suas características e cacoetes próprios, demandando estratégia e comportamento adequados.
Caiado tem uma oportunidade única de disputar a presidência. Mas não é sendo o Caiado deputado federal e senador, ou o Caiado governador de Goiás, que chegará lá. Vale a sabedoria popular: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa. Simples assim. Difícil assim. A competência política, o tino, a visão estratégica do governador goiano, estão bem afiados. Isso só não quer dizer que tudo que ele faz só tem consequências positivas. Comunicação é muito mais do que intenção; é percepção. A família Caiado, em Goiás, tem História. E histórias. Para a família, é uma; para o senso comum dos goianos, é outra; e para o Brasil, como será?
* Texto publicado pelo Diário de Goiás