A manifestação em São Paulo em favor de Bolsonaro não bombou. Foi uma manifestação mais para dentro, pro público que já é bolsonarista. Não extrapolou. Acompanhar os desdobramentos será importante pra ver se a narrativa superará a realidade, longe do que parecia ser o objetivo: mostrar força a partir da participação popular. Será que, na narrativa, vão superar os fatos e fotos e vídeos?
Ser Bolsonaro não é fácil. Precisa estar metido em tretas e em desafios constantes ao senso comum. Precisa estar mais próximo da explosão do que da pacificação verdadeira, e não está de discurso, em que se prega uma coisa para o adversário que o seu lado mesmo não pratica. Ser Bolsonaro é viver em susto constante, desafiando as leis da lógica em nome de uma ilógica própria e bem peculiar, como a dos cristãos que o apoiam defendendo um país não cristão sem saber ou sem se importar que este país não é cristão – para começar.
Qualquer visão sobre o que aconteceu neste domingo na Avenida Paulista, em São Paulo, que não seja a versão dos bolsonaristas será uma mentira com base sólida nas melhores teorias da conspiração. Ainda que a verdade seja outra. O que é a verdade para um bolsonarista senão a comprovação de sua tese? O que não é mentira se não coaduna com seus conceitos sobre os outros, esses inimigos do Deus que adoram em Mala-Malafaia? Esse Deus que não vê a não ser o que veem e não.
A manifestação é mais do mesmo Bolsonaro. É jingle para seus encantados seguidores. É artifício bolsonarista para fugir à responsabilidade de seus atos e dos atos criminosos dos que desafiam as instituições desde 8 de janeiro. É puro suco barulho pra pedir silêncio. É a arte de ignorar o pé no chão ou fazer de conta que só eles são honestos e só eles são abençoados, e que a defesa da família e da moralidade que fazem é pra valer, pois seguem tudo que condenam nos adversários- não é sério?
O curioso é ver tantos políticos que, sabe-se, não tem nada de bolsonaristas, de repente lá, levantando bandeira pró-Bolsonaro em busca de uma coisa só: mendigar apoio do ex-presidente em outubro e o voto dos abnegados fiéis da extrema unção da direita. O novo cordão dos puxa-votos da política não defende o que pensa: pensa em defender Bolsonaro e assim garantir a eleição ou a reeleição. Aceita candidamente ser desossado e servido cru à massa de manobra. E o fazem, louve-se, porque é assim que funciona a política, ao radar da ladainha dos não-políticos. É o novo republicanismo: a devoção demomitológica em vez da mera articulação democrática.
* Texto publicado pelo Diário de Goiás