Vassil Oliveira
Este ano escolhi como um dos pilares de vida, para prática cotidiana, a humildade. Não é fácil. Admiro os humildes. Admiro quem é capaz de ouvir calado que fez algo indecoroso sendo que não fez o que lhe é imputado. Sangue de barata, covardia, falta de brio, confissão pelo silêncio, eis o que se pensa de alguém assim, que não reage à mentira e a tamanha agressão. Mas pode ser outra a razão: sangue frio, sensatez, paciência para comer depois o prato frio da vingança, prazer com o desequilíbrio alheio.
Outro dia perdi a paciência com uma pessoa que me liga todo dia, repetidas vezes dia e noite, para pedir a mesma coisa. Liga e manda mensagem. E mensagem em CAIXA ALTA. Deveria ter respirado fundo. Que sei eu do espírito dela, e da urgência em sua vida da minha atenção, para levantar a voz e lhe atirar minha raiva? Não o procurei depois de meditar sobre o que aconteceu, o que apenas reforça a minha falta de humildade. Se estou no lugar dele, tinha gritado de volta. E veja: ele não gritou. Ele ouviu, reclamou assustado em voz baixa e desligou o telefone. Sumiu, desde então.
Uma das maiores dificuldades que vejo na humildade é o silêncio. Como estratégia de vida, e na política, sabemos que o certo é ouvir mais e falar menos. Quem fala demais dá bom dia a cavalo. Já ouviu isso? Deve ter ouvido também que o silêncio fala alto. Mas como é difícil a prática de tão sábias palavras. Você ter na ponta da língua exatamente aquilo que quer dizer e ponderar consigo mesmo que um contra-ataque naquele instante será o caminho da sua derrota humana, ainda mais se quem lhe atira frases como bombas é alguém que o ama. Consegue imaginar?
Humildade é ter razão e não usá-la, em muitos casos. Lembro de uma frase batida do meio político, boa para ser dita àquele candidato que se apega demais às suas ideias e conceitos, ou que exige que tudo seja feito do seu jeito, inclusive o que está fora do seu alcance, ignorando que isso atrasa, contamina, atrapalha seus planos, e que bastaria ignorar tudo para nada acontecer. Você quer ter razão ou ganhar a eleição? Está certo que esse caso está mais para estratégia do que para humildade. Porém ponha-se no lugar do candidato: mesmo para ser estratégico precisa fazer-se humilde, em razão do foco na vitória. Eleição tem razões que a própria razão reconhece.
Saber o tempo correto das coisas, mais que sabedoria, é prática elevada de humildade. Um prefeito, governador, presidente que sabe esperar e sabe a hora certa de acelerar costuma estar sempre um passo à frente dos adversários e dos aliados. Ele consegue ouvir quando preciso, e falar se necessário. Captar o momento de tocar uma obra, e acertar na obra que o eleitor quer; aceitar uma derrota na negociação de hoje para colher frutos lá na frente; dividir louros para somar apoios, estas são habilidades que jamais andam fora do tempo e contra a humildade. Na vida em geral, salvam vidas, e nos fazem santos, como Santa Madre Tereza.
Não sou humilde. Mas estou de joelhos diante do que me falta. Porque me sobra disposição para conhecer quem quero ser. Ao perceberem o meu desencaminhamento, peço: me tragam imediatamente de volta ao chão. Desde já, agradeço. Mas não pensem que a humildade que busco rende-se passiva ao menor sinal de fogo. Humildemente lhes digo que, como bom escorpiano, posso de repente querer ser outro que não o que sou ou o que almejo ser, para simplesmente ser o que nem sei. E acentuo o humildemente porque reconheço entre os meus defeitos a inata incompetência para viver com medo de morrer senão por meus méritos.