Quando a dor passa, não é alívio, é superação. Fica o livro, fica o filme no coração. Fica o nó, fica o desconforto, mas também a sublimação. Nunca é fim, porque sentimento não tem tempo para começar, se eterniza na pele feito nova camada, novo fio de lágrima que protege de tudo, menos do suspiro que emite o corpo redivivo.
Em certo momento, meu corpo foi cana na moenda, e o caldo era belo. Eu descia por seu pescoço com certa avidez, sem, no entanto, macular seu gosto. Eu percorria seu corpo sem compromisso com a minha recorrente ansiedade por amor. Eu ia por aí onde havia você e o seu desejo, o meu desejo de você. E o amor era vasto.
Veio a chuva com seu fogão a lenha e, de cócoras, juramos sorrisos e mais sorrisos ao som de Deus crepitando. A vida estava imensa, inenarrável e os abraços atiçavam as labaredas, os abraços percorriam a luz dos seus olhos. Cada segundo fazia sentido, nada estava fora do lugar.
Foi o mundo. Fui eu. Foram os sonhos quebrados nas margens. Assim que a notícia chegou, informando de morte os ouvidos sensíveis ao vento, assim que soubemos que os dias se sobrepunham às noites, e que os corpos horizontais não sobreviveriam se não fossem aprumados pelos fatos de cada um, assim que o vulcão avisou, fomos acordados sem defesa. E veio a convulsão, a dor, a laceração.
A dor não ensina nada que já não saibamos por antecipação do intenso amor. No ápice dos pulmões, nas grimpas de um fígado amargado, como uma manga inevitável, está calmamente nos aguardando a queda. A dor não nos espera no chão. A dor está na expectativa. No chão está a salvação onde, antes da subida, o fim fazia festa. A festa da saborosa e sempre fresca ilusão.
*Texto publicado pela Tribuna do Planalto