Hoje é um dia daqueles. Não cabe realidade debaixo deste sol. Essa sombra, uma chuva que vem mas não chega, a leve vontade de tomar um café ao menor descuido da lembrança do gole anterior, esse ar melancólico tocando viola no ouvido, nada, nem a marcha errada do carro permite um gota que seja de um fato que antes de um suspiro sorridente, solitário, de fechar o trânsito e os olhos.
Olho a moça que passa e penso no prazer de seu namorado ao contemplá-la com amor. O menino que surge de dentro de uma loja, com a mãe gritando seu nome, é um Gabriel feliz, um Lucas traquinas, um Pablo sonhador. O menino foge para ser pego. Quantas vezes na vida queremos ser alcançados e abraçados e levar bronca segurando as asas para não voar de repente e levar junto, para brincar nas nuvens, as memórias de um instante?
O dia passa feito os primos em frente ao nosso alpendre, devagar, espiando com o rabo dos olhos, querendo chorar, querendo rir, ressabiados por natureza, sem saber direito se fala oi ou se corre feito doido pra ajudar o pai nas compras do supermercado. O que mais me lembro dessa hora não era a vergonha disfarçada, mas a promessa de um encontro depois, para acertar as contas, quem sabe, e para falar nada com nada sobre todos da cidade.
O que vou fazer com os acontecimentos do mundo? Não tenho que ver com o mundo quando sou o mundo inteiro aos pedaços. Um tanto de bolo, outro tanto de pique-esconde, mais uma mãozada de mexerica do vizinho. O que supera as proezas da vida sem a realidade? O que pode ser mais importante do que a troca de insultos na guerra de mamonas? Se alguém me disser que hoje, agora, o mundo acabou, não acreditarei. Hoje eu só acredito vivendo.
*Texto publicado pela Tribuna do Planalto