Meu nome é lembrança

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Tenho uma facilidade enorme para esquecer nomes. Sofro com isso. Acho uma deselegância, algumas vezes e até desrespeito não lembrar o nome de um amigo de infância, por exemplo. Quando lembro do apelido, já me dou por satisfeito. Mas como chamar o cara pelo apelido de quando tínhamos 7, 8 anos, sendo que agora temos 56?

Por outro lado, minha vontade é sempre chamar o amigo como o conhecia na infância. Porque, até pronunciar o nome, o apelido, já voltei lá atrás, brinquei de novo, ri com a inocência que tínhamos, gritei com a alegria mais pura que existe e me dei conta de que tive uma infância feliz, maravilhosa, mais rica em imaginação do que em bens materiais, e que é por isso que consigo levá-la comigo por todo canto que eu vou.

Custo lembrar o nome, quando lembro, passo vergonha por isso, e vivo momento de angústia por querer demais lembrar o que me foge na hora, porém o rosto, as peraltices, as aventuras, o sentimento de mais de 50 anos e lá vai pedrada, tudo está fresco na memória. É a minha vida diária. O meu sabor constante na hora de olhar meus filhos, de comer um abacate, chupar jabuticaba, ver uma andorinha daquiprali e delápracá.

Quanto mais vivo, mais tenho paz com o tempo passado. Se não lembrar um nome causa um pouco de angústia, a vida que tive aos cinco anos, aos dez, essa vida vem sempre me visitar – e quando não vem, eu dou um pulo lá -, essa vida me alimenta e me fortalece e me faz feliz. Nenhuma lembrança minha me agrada mais que a dos meus avós. Muita saudade. Choro de felicidade só de recordar, sem sofrer um minuto sequer.

Creio que os psicólogos e psiquiatras podem ter uma teoria sobre essa minha defeituosa forma de perceber e absorver as coisas. Quem sabe me ajudariam se eu levasse isso à terapia. Mas por que entender o que me deixa tão contente do jeito que é? Tenho outros dramas e traumas maiores para resolver. Poesia a gente lê, respira, suspira e guarda para ler e ver e viver toda vez que a inspiração vem. Não há pressa. Não há dor.

Aos amigos, peço humildemente que me perdoem. Que me entendam. Que não me falham à memória. Que meu nome é lembrança. Estamos sempre na Eugênio Jardim, mais que sempre na estação, no campinho depois da estação (quanta pedra, meu Deus), sempre, sempre na praça, no Poço da Pedra, Lajeado e na roça. É bom demais saber que existimos enquanto o resto do mundo não fazia a menor diferença. Que (r)existo enquanto o mundo todo tenta me matar. Meu coração tem mais vida que eu na vida humana.

*Texto publicado pela Tribuna do Planalto

Vassil Oliveira
Jornalista. Escritor. Consultor político e de comunicação. Foi diretor de Redação na Tribuna do Planalto, editor de política em O Popular, apresentador e comentarista na Rádio Sagres 730 e presidente da agência Brasil Central (ABC), do governo de Goiás. Comandou a Comunicação Pública de Goiânia (GO) e de Campo Grande (MS).
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